Eles levam o seu filho para todo lado. Dão estabilidade e segurança. Claro que há um tropeço ou outro no meio do caminho, mas tudo dentro do esperado. Grandes ou pequenos, não importa: os pés merecem atenção. Na fase inicial da vida, então, o cuidado tem de ser redobrado. Por quê? Para começar, a postura adotada pela criança no começo, antes mesmo de ela aprender a andar, pode refletir lá no futuro. Prova disso é que os problemas mais comuns relacionados aos pés são totalmente reversíveis se tratados logo após o nascimento, como você vai ver a seguir.
Cheio de curvas
De acordo com a Sociedade Brasileira de Ortopedia (SBO), 90% dos casos de pé torto, problema que atinge uma em cada mil crianças, por exemplo, são resolvidos com os tratamentos disponíveis. “Normalmente, os pediatras fazem o primeiro filtro e depois encaminham o paciente para um especialista”, explica a ortopedista Claudia Diniz Freitas, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP). Daí a importância de se procurar ajuda tão logo o problema seja detectado. Essa melhora mais efetiva acontece porque os bebês ainda não têm os pés, assim como outros membros e articulações do corpo, totalmente desenvolvidos. O que faz com que as alterações sejam revertidas com certa facilidade.
A dentista Fabiana Almeida, 35, se assustou ao ver os pezinhos da filha Maria Antônia, hoje com 5 meses, pela primeira vez. “Eles estavam virados para dentro. Imaginei que ela teria dificuldade para se locomover”, recorda. Mas a possibilidade foi descartada logo de início pelos médicos. Maria Antônia foi diagnosticada com pé torto, uma deformidade congênita, ou seja, a criança já nasce assim. O problema envolve ossos, tendões, vasos sanguíneos e músculos. E pode ser observado facilmente pelos pais: o bebê apresenta o calcanhar elevado e as pontas dos pés voltadas para dentro. “É um tipo de alteração não elástica, que não se corrige por si só”, alerta o ortopedista Edison Fujiki, professor de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina do ABC (SP). A boa notícia, porém, é que o problema tem solução se for tratado desde cedo.
Um dos tratamentos é o método desenvolvido pelo ortopedista espanhol Ignácio Ponseti (1914-2009), que se baseia na remodelação do esqueleto imaturo do bebê a partir de aplicações (de 4 a 5 vezes) de gesso, que podem durar de seis a oito semanas. “Em dois meses, é possível corrigir a deformidade”, diz o ortopedista Aleksandro Ferreira, do Hospital Assunção, da Rede D’Or São Luiz (SP). Fabiana Almeida está vivendo esse processo há um mês. Todas as semanas, ela leva a filha ao ortopedista para fazer as aplicações de gesso, que não são removidas até o fim do tratamento. “Já notamos melhoras significativas”, comemora.
Em alguns casos, o tratamento acaba com uma pequena intervenção cirúrgica (que dura cerca de 20 minutos). O procedimento serve para soltar o tendão de Aquiles, localizado na parte posterior do calcanhar. Em seguida, a criança usa uma órtese, aparelho que auxilia no alinhamento dos membros, durante três meses. Se tudo correr bem, continua a usá-lo até os 5 anos, mas apenas para dormir.
Vale saber que o pé torto pode ser detectado ainda na barriga da mãe (dá para ver no ultrassom). O resultado do exame pode até assustar, mas é fundamental para que os pais se preparem para começar o tratamento o quanto antes. “É possível dar início ao processo já no sétimo dia de vida”, recomenda a ortopedista Claudia, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP). Os resultados são mais rápidos, efetivos e não causam sofrimento ao bebê.
Tudo reto
Outra característica muito comum na infância é o pé chato (ou seja, sem aquela curvinha localizada na parte interna do membro), também conhecido por plano. Praticamente todos os bebês nascem assim, é normal. Neles, ali costuma haver gordura, por isso os pezinhos apresentam o formato de bisnaguinha – que dá vontade de morder! “O arco só começa a ser formado entre 1 e 3 anos, de maneira espontânea e motivado pelo próprio crescimento”, afirma o pediatra Ferreira. Ele explica, ainda, que apenas de 3% a 5% das crianças sentem algum tipo de dor durante esse período.
O processo da curvatura, aliás, não acontece de uma hora para outra – costuma chegar ao fim quando as meninas completam 10 anos e os meninos, 12. Portanto, nada de pânico! Os especialistas são unânimes em afirmar que, embora comuns, muitas vezes essas características nem precisam de tratamento. Mas é claro que não dispensam acompanhamento médico, com olhos atentos às pisadas do seu pequeno.
Há dois tipos do chamado pé chato: os flexíveis, mais comuns, e os rígidos, que são raros (atingem 5% das crianças, apenas) e doloridos. Este último, quando detectado na infância, costuma estar relacionado a paralisias, problemas neuromusculares e deformidades congênitas – e pode ser corrigido cirurgicamente.
Já os pés chatos flexíveis não provocam dor e dispensam acompanhamento muito intenso, uma vez que a curva costuma se formar com o passar do tempo, quando a criança começa a andar e a fazer exercícios físicos. Por isso, muitas vezes, nem se nota a característica. “Quando há alguma deformidade muito visível, o problema pode estar relacionado a outra questão (como alterações na coluna, por exemplo) que deve ser avaliada por especialistas”, alerta Fujiki. Em todas as situações, ele recomenda a realização de um exame de imagem para detectar o problema, mesmo que não aparente ser grave. Isso porque é fundamental, antes de mais nada, saber se a formação dos ossos do pé está correta.
Foi o que aconteceu com a pequena Marcela. Aos 2 anos, o pediatra observou que a curva do pé da menina ainda não tinha começado a se formar. Após uma radiografia, porém, o profissional verificou que a saúde óssea dos pezinhos de Marcela estava em dia. “Mesmo assim, ele pediu para acompanharmos a situação de perto, principalmente para observar se ela tinha dor ou não”, diz a mãe, a secretária Mirna Mendes, 37. Por sorte, a pequena nunca se queixou e, hoje, aos 5 anos, já tem a curva mais evoluída (embora ainda não esteja 100%). “Sempre tive a preocupação em comprar calçados confortáveis e estimulá-la a fazer atividades físicas. O pé chato nunca foi uma limitação”, conta Mirna.
Ela está certa. A partir do momento em que a criança começar a usar sapatos, vale investir em modelos adequados – isto é, flexíveis, com câmara interior larga, solado firme e palmilhas confortáveis. Alexandre Francisco de Lourenço, médico da disciplina de Ortopedia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sugere também o uso de uma companhia especial para os calçados das crianças com pé chato: palmilhas planas. “Antigamente, recomendava-se um modelo de curvatura especial, com o objetivo de estimular o desenvolvimento da curva plantar”, explica Lourenço. Com o tempo, porém, observou-se que isso não ajudava em nada – e a conduta médica mudou. O mesmo vale para as botinhas ortopédicas: populares há algumas décadas, tanto para o tratamento do pé chato quanto do pé torto e outras deformidades comuns nos membros inferiores, elas caíram no esquecimento – para alívio dos pequenos pacientes.
A recomendação atual, aliás, é bem diferente: caminhar descalço. Seja na areia ou na grama, deixe o seu filho livre! A prática é ótima para desenvolver a curvatura dos pés, por estimular as articulações e a estrutura óssea. E, para uma força extra, peça para ele tentar pegar alguns objetos com o próprio pé.
Cai-cai
Não se desespere com tropeços e quedas. “As crianças aprendem a andar e querem fazê-lo mais rápido do que conseguem, por isso acabam caindo. O pé chato não influencia”, explica Lourenço.
A ausência da curvatura nessa região pode ser pior, porém, se estiver associada ao excesso de peso e ao sedentarismo – provocando mais quedas. E tende a incomodar durante a fase da fusão óssea propriamente dita, ou seja, perto dos 10 anos. “No entanto, algumas pessoas não sentem dor, por isso é importante avaliar caso a caso”, alerta o ortopedista Wilson Lino Junior, do Sabará Hospital Infantil (SP). Segundo ele, se os pés forem muito dolorosos e causarem limitações, por exemplo, algumas intervenções podem ser necessárias. Há, inclusive, um procedimento cirúrgico que remove uma possível barra óssea (quando há ossos dos pés grudados).
Mais uma vez, vale destacar: o acompanhamento médico e periódico é que vai mostrar as medidas adequadas para cada situação e, literalmente, determinar os próximos passos do seu filho.
Fonte: Revista Crescer